Resumo
- Pesquisadores trataram a doença falciforme em camundongos editando diretamente o gene da hemoglobina defeituoso que causa essa doença.
- Essas descobertas podem levar a um tratamento único para a doença falciforme com menos efeitos colaterais do que outros métodos de tratamento em desenvolvimento.
A doença falciforme (DF) é um distúrbio genético causado por uma mutação em ambas as cópias do gene HBB de uma pessoa. Esse gene codifica um componente da hemoglobina, que é a proteína transportadora de oxigênio nos glóbulos vermelhos. A mutação faz com que as moléculas de hemoglobina se grudem, criando glóbulos vermelhos em forma de foice. Esse processo pode levar à ruptura das células sanguíneas, anemia, dor recorrente, imunodeficiência, danos a órgãos e morte precoce. Transplantes de medula óssea podem curar a DF, mas doadores adequados são difíceis de encontrar. O procedimento de transplante também apresenta riscos de efeitos colaterais perigosos.

Vários novos métodos de tratamento para a doença falciforme estão atualmente em desenvolvimento. Esses métodos envolvem a edição genética das células da própria medula óssea do paciente para produzir hemoglobina com funcionamento normal. Esses métodos de tratamento evitam os riscos associados aos transplantes de medula óssea. No entanto, esses métodos também apresentam seus próprios riscos porque envolvem a introdução de novo DNA e a quebra de cadeias de DNA existentes.
Uma equipe de pesquisadores, liderada pelo Dr. David Liu no Broad Institute e pelos Drs. Mitchell Weiss e Jonathan Yen no Hospital Infantil St. Jude, nos EUA, desenvolveu um método que evita alguns dos riscos de outras abordagens de edição genética. Este método utiliza uma técnica molecular chamada edição de base, que altera uma única letra do genoma sem cortar nenhum DNA.
Na doença falciforme, um T substitui um A em uma localização chave do gene HBB. Embora a edição de base não possa reverter essa alteração, ela pode converter o T em um C. Essa ação produz uma variante de hemoglobina não patogênica e naturalmente ocorrente chamada Hb-Makassar. Os pesquisadores projetaram uma ferramenta molecular chamada editor de bases de adenina, que reconhece a parte mutada do gene e converte o T em um C.
Os pesquisadores utilizaram o editor de bases de adenina em células-tronco hematopoiéticas de pacientes humanos com DF. Até 80% das células tiveram o gene da hemoglobina falciforme convertido para a variante Makassar. Para realização dos testes, a equipe transplantou as células editadas em um modelo de camundongo com DF. Após 16 semanas de transplante, 68% das células-tronco derivadas do doador apresentaram genes HBB editados para Hb-Makassar. Os glóbulos vermelhos derivados dessas células-tronco apresentaram uma redução significativa na formação de células falciformes.
Uma vez que os glóbulos vermelhos humanos não conseguem sobreviver em camundongos por tempo suficiente para testes extensivos, a equipe, em seguida, utilizou células-tronco de um modelo de camundongo com DF, as editou e transplantou as células editadas para um novo conjunto de camundongos. Após 16 semanas, a variante Makassar representava quase 80% da hemoglobina nos camundongos receptores. Camundongos de controle que receberam células não editadas apresentaram sintomas característicos da DF: anemia, contagens anormais de células sanguíneas, glóbulos vermelhos em forma de foice e esplenomegalia. Camundongos que receberam as células-tronco editadas apresentaram uma melhora significativa nos sintomas.
Os pesquisadores retiraram medula óssea dos camundongos que receberam as células-tronco editadas e transplantaram-na em um novo conjunto de camundongos. Os novos receptores apresentaram contagens saudáveis de células sanguíneas, confirmando a durabilidade da edição genética. Os pesquisadores determinaram ainda que editar pelo menos 20% das cópias do gene da DF era suficiente para manter medidas sanguíneas saudáveis. Eles não detectaram nenhum efeito colateral nos camundongos decorrente do processo de edição genética.
“A abordagem oferece promessas como base para um tratamento único, ou talvez até mesmo uma cura única, para a doença falciforme”, diz Liu.
A equipe agora está trabalhando para desenvolver mais o conceito, com o objetivo final de chegar até os pacientes.